Estudantes de
escolas públicas do RN enfrentam provas do Enem após 10 meses sem aulas
presenciais
Alunos citam desigualdade diante da concorrência e medo de contaminação por Covid-19 durante exame. Em algumas escolas, sequer a aulas virtuais os estudantes conseguiram ter acesso.
Pesquisa realizada em junho apontava
que, dos jovens que pretendiam fazer o Enem, quase a metade havia pensado em
desistir da prova — Foto: Mariana Leal/MEC
A
estudante Luana Félix, de 19 anos, vai fazer o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) neste ano na tentativa de cursar medicina. Aluna da Escola Estadual José
Fernandes Machado, no bairro Ponta Negra, Zona Sul de Natal, ela - assim como
toda a turma - vai precisar encarar a prova e a concorrência a partir do
próximo domingo (17) sem ter assistido uma aula presencial sequer desde o mês
de março, por conta da pandemia da Covid-19.
"Com toda certeza nós não vamos ter a mesma chance. Não tivemos a
base que os alunos que tiveram aula esse ano têm para realizar a prova",
lamentou.
A realidade dela e dos colegas de sala é também a de milhares de
estudantes da rede pública do Rio Grande do Norte, que viram as aulas
presenciais serem canceladas no dia 17 de março - há cerca de 10 meses.
Sem condições de investir em algum cursinho particular ou em outra forma
de ensino, Luana precisou se virar como deu para estudar. A solução foi a
internet - plataforma que ela mesmo admite que muitos estudantes sequer têm
acesso.
"Eu me preparei da maneira que eu consegui, em meio a todos os
acontecimentos. Não tenho condições de bancar um cursinho, então estudei por
conta própria, procurando apostilas na internet", disse.
"Acredito que nem todos tem esse
acesso e que esse Enem vai ser mais desigual do que os outros".
A estudante acredita que um dos principais problemas, para os alunos da rede estadual, foi a demora para definir como as aulas aconteceriam durante a pandemia. A escola em que ela estuda, por exemplo, não teve sequer aulas virtuais, apenas atividades que eram enviadas por um sistema on-line e que, segundo ela, "nem todos tinham acesso".
"Meses depois é que foram enviar as atividades. Foram muitas atividades", contou Luana, explicando que era líder da turma e repassava os exercícios aos demais alunos, que também se veem em uma situação delicada para fazer o Enem.
"A dificuldade não estava só em
não ter acesso aos conteúdos, mas também em compreender a matéria. Nem todos
tinham tempo e estrutura para realizar as atividades. No grupo da minha turma,
eu ajudei da maneira que eu pude. Pedia ajuda dos professores que eu tinha o
contato, mas mesmo assim foi e está sendo muito complicado", falou.
Segundo a Secretaria da Educação da
Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC), menos de 10% das escolas estaduais não
realizaram, em 2020, atividades não presenciais no período da pandemia.
"A SEEC buscou disponibilizar
diversas ferramentas para que eles continuassem com o processo de ensino
aprendizagem, seja pela internet, com materiais impressos ou aulas na TV
aberta. Em algumas regiões, até aulas pelo rádio foram ministradas", disse
em nota.
A secretaria disse que as atividades
são consideradas as aulas, já que para cada atividade o professor preparou uma
aula e inseriu no Sistema Integrado de Gestão da Educação (Sigeduc).
A estudante Letícia Gabrielly, de 19
anos, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), está em situação
semelhante: ela também não teve nenhuma aula presencial desde março.
A situação das duas alunas é distinta
dos estudantes das escolas particulares, que tiveram o retorno gradativo das atividades a partir de setembro. Muitos
deles também contaram com um cronograma organizado de aulas on-line.
Diferente de Luana, no entanto, Letícia
teve acesso às aulas virtuais, mas apenas por volta dos meses de agosto e
setembro - pelo menos cinco meses depois da suspensão das aulas.
Para tentar não ficar para trás no
conteúdo que será cobrado nas provas do Enem, ela também tentou estudar por
conta própria - em casa e sem auxílio - durante esse período. E o principal
recurso foi à internet.
Letícia Gabrielly, estudante potiguar também vai prestar Enem neste ano — Foto: Cedida
"Devido à situação atual, sem aulas presenciais e com as aulas
remotas totalmente diferentes do que eu era acostumada, eu tive que optar por
estudar sozinha. Comecei a procurar assuntos específicos em vídeos na internet
e fazer anotações", disse.
Letícia vai tentar aprovação em algum curso da área de saúde, que ainda
não definiu, no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Mas é outra que vê suas
chances menores diante de parte da concorrência nesse momento.
"Eu acredito que a minha chance de ser aprovada nos cursos que eu
quero caiu muito, pois além de ter que me adaptar para as aulas remotas, ainda
tem a preocupação de como o mundo se encontra diante do caos que esse vírus
está causando".
As duas estudantes dizem algo em comum: que o Enem não deveria acontecer neste momento. Além de apontar o cenário de desigualdade, elas ainda reforçam o risco de contaminação pela Covid-19 durante o exame.
"O Enem deveria ser adiado. Não concordo em ser feito agora, porque não coloca em risco só os adolescentes, mas também os familiares. Vamos passar de cinco a seis horas numa sala fechada, fora os que vão passar todo esse tempo em escolas que não tem um ventilador funcionando. Acho irresponsabilidade", diz Luana.
"Vamos pegar ônibus lotados, filas para entrar e voltar para nossas casas sem saber se estamos infectando nossa família. Além de desigual, vai ser arriscado", completa.
Letícia cita que a prioridade neste momento deveria ser preservar vidas.
"Eu acho uma falta de noção e de empatia, nós, estudantes, termos que fazer essa prova estando suscetíveis a uma contaminação de um vírus que já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo inteiro. A preocupação agora deveria ser preservar a vida de todos", falou.
"O certo seria evitar aglomeração e incentivar as pessoas a ficarem em casa e não submeter os estudantes a um grande risco de contaminação".
O G1 consultou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre quantos locais e quantas salas seriam usadas na aplicação das provas do Enem neste ano. O instituto respondeu que "os dados de logística para aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 serão disponibilizados pelo Inep após a aplicação do exame".
Escola Estadual José Fernandes Machado, em Ponta Negra — Foto: Google Street View
BLOG: J, IPANGUAÇUENSE
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